domingo, 29 de abril de 2012

Vendo pela primeira vez.


Hoje foi a primeira vez que eu realmente fui e vi os camaradas com quem eu construo um novo mundo. Retomamos nossos sonhos através da dor que nos une. Que lamentável a vida se tornou. Mas restaram nós, a resistência que construirá o novo mundo. Os rostos cheios d’gua mostraram materialmente que não enlouquecemos. Só tem como existir, militando. Não haverão saídas, nem estratégia correta descolada de nossa humanidade.
               
Choremos, pois assim mostramos a contradição. Choremos, pelos trinta anos de restauração que roubaram de nós nossas vidas. Pois assim nos tornamos – como nunca – abertos a revolucionar nossa espécie humana.
               
Como nos constrangemos a dor, que é no fim, o que nos une? Perder Camilinha é ver que é impossível viver, como vivemos. Sentimos o luto de todas as perdas e todas as pressões. Não somos imunes, apesar do partido. Hoje, viramos o espelho que só nos permitia vermo-nos, individualmente, e fizemos ver um no outro. Nunca fomos tão camaradas, nunca fomos tão vivos, tão humanos. Humanizamo-nos para não aliernarmos nossa luta.

Somei, por cinco horas, o que construí nesse meu corpo com as demais sensibilidades que ali se manifestavam. Ainda que algumas, por silêncio. E nelas, me reconheci. Não estava mais só, estava com a minha classe. Mesmo que não fisicamente com todos, estavam ali, representados por aqueles que se proporão uma nova forma de se viver .

quinta-feira, 26 de abril de 2012

5 de outubro.

Confundi ha um certo tempo. Era não, ainda é e espero que permaneça sendo um dos meninos mais bonitos que já conheci. É de um sorriso que diz que 'vida pode ser boa' e ainda 'porque viver'. É sim, um de meus companheiros. É um dos homens mais bem dotados dos valores humanos. Por isso vê-lo sorrir, me faz tão bem. Se existe um homem bom dentro do capitalismo, que questiona e que sua existencia nada contra a maré, é este. O que eu confundi durante muito tempo foi a sua bondade enquanto ser humano e sua militancia política. Não que ela não virá a acontecer, mas no momento, não pulsa. Vive tantas ideias e tantas necessidades, mas ainda sim, não pulsam. Não se materializam. Ficam disperdiçadas ao privado. És doce, és gentil, és sorridente, és encantador.
Tem futuro, pois deixa nele, o retrato de um ser humano.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Primeira vez.

No meu vestido, eu me questiono. E por isso, venho a ser. Somente dentro do meu vestido que eu consigo ir pra fora, além. Assim, de dentro vê-se o fora e o vive. É uma construção, sim. Rejeitei os gêneros, o opressor e o oprimido, e comecei então a brincar com o meu 'eu'.

É construindo que a gente vai seguindo, mas algumas construções são de concreto, ficam dificeis de serem quebradas. Outras são tão profundas que...Ah... deixe-as lá, por enquanto. São as maiores contradições que o capitalismo me deu.

A noite terminou e lá estava Virginia. A referencia feminina que me questionava. Apontava dentro da minha roupa, dentro das minhas contradições e perguntava, lá em 1941, quais eram suas opções?

O carro batido, todos ali fora assustados. Descer do carro foi uma escolha repensada quarenta vezes. Assim como foi subir a rampa, sentar, cantar uma música, ir ao banheiro e agora sair do carro. Se mostrar, simplesmente existir, enquanto César, era uma posição. Era um questionamento - interno e externo - e deixava de ser uma escolha.

Tirei o vestido, mas não modificou o novo corredor que se construiu. Eram mais opções e mais sexualidade, mais gênero e mais orientações a serem experimentadas. Mesmo assim, a preocupação junto da irresponsabilidade tinham um outro peso, tanto foi que deu sono. O corpo pedia e conseguiu seu descanso.

Olhei ao lado, um moço lindo e que tanto admiro me questionou - enquanto dormia. Eu estava subjetivado, mas eu via. Materialmente, eu fui. Agora resta saber... o quê.

Relações.

Quando discutimos as relações tentamos separar as sexuais das demais relações que nos penetram tanto mais do que as relações sexuais que não precisam de qualquer penetração para existir, basta o toque. Não sei desde quando, até porque não me lembro um dia em que não tentei entender meu corpo e minha sexualidade. Foram sem dúvidas, as condições objetivas que me fizeram trotskysta e militante revolucionário. Se as relações amorosas são aquelas que se tem amor, não podem ser descritas apenas para relações a dois, o namoro monogamico que individualiza dois de uma só vez. É nessa ilusão que os solteiros - porque há nome dado a nós também, e dizer nós, parece pra muitos uma vergonha - não tem com quem se relacionar, eu me coloco (ou deveria, ao menos).
Pensamos nós em uma política independente para a nossa própria sexualidade e nossas relações afetivas? Somos individuos e não podemos abandonar nossas especificidades e nossas necessidades individuais por qualquer outro individuo, não pertencemos a ninguém, nem nosso corpo (pênis, vagina, cerebro ou coração). Pertencemos únicamente a nossa época e as nossas atitudes, que as minhas estão entregues a revolução; E não é um discurso vazio de uma revolução abstrata, que tende a ser boa, mas uma mudança radical da sociedade que consiga a emancipar a humanidade de toda a opressão que nos faz tornar e nos tornarmos meros objetos.

A maioria das minhas relações sexuais são impulsionadas pela miséria sexual objetiva de meus parceiros e a minha. Sou ali uma valvula de escape para a vida omitida de tantos homens e no entanto, procuro quase sempre aqueles que não se atrem por mim, porque meu tesão foi construido como de uma mulher. Sou heteronormatizado da cabeça aos pés. Mas isso não é a resposta para minhas roupas e esmaltes, batons e tantas outras tintas coloridas que utilizo. Meu genero e minha sexualidade, apesar de unificados pelo capitalismo, são extremamente separadas. Pena eu não ter autonomia e liberdade para escolher por mim, sem influência da repressão e dos valores cristãos que a sociedade capitalista me bombardeia.

Sou mulher, de tantas formas, mas não biologica. Sou homem por outras, mas torne-se embaçado quando tento entender o quanto tem de querer ser e querer compartilhar com alguém. Por isso, me é certo que construiram minha sexualidade, porque eu não a escolhi. Porque jamais recusaria compartilhar minha vida com alguém pelo seu gênero, pela sua biologia.

Meu sexo é vergonhoso. É desesperado. É asfixiado.
Por mais que eu tente me recompor, eu não consigo me indentificar como individuo pleno. Sou arremeçado a cada golpe de desinteresse que meu corpo traz aos heterossexuais que se posicionam assim de nascença. Ao padrão que eu não sou e mesmo assim, como Virginia ouvia e depois escrevia, as vozes dizem que é bonito. Essas vozes - sociais - que nos deixam ezquisofrenicos e nos causam mortes, tantas mortes quanto as políticas quanto as físicas. Perdemos a cada dia tanto mais, por não sermos capazes de dizer.

- Estou em crise.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Coletivo

É diferente de escolher feijão
Os olhos são ingenuos demais
Está mais para o fazer do vinho
Os pés sujam, machando o chão
Misturando o humano com sua própria criação

O medo das respostas
Nos faz perguntar o obvio
Antes isso, a seguir em interpretação
Antes isso, a manter-se parado fingindo andar

Se quebrar as pernas
Também não pode ficar na ponta do pé
Ver além, ver e além de visão
Escolher, mais além, modificar

O medo de justiça
Nos faz hesitar
Antes errar, do que seguir o fluxo
Antes antecipar, do que aguardar o outro

É preciso modificar
E já deixar a própria armadilha pronta
Pra que não haja poder em mão alguma
Mas nos passos de vinho que chamamos de...

Cigarros

Pra te manter acesso
Me matei um pouco
Pra não deixar o breu, o vazio
Engoli

Restou o cheiro e a dor de garganta
Quieto, tudo é tão quieto.
Acendi outra brasa mesmo sabendo onde sempre acabam as cinzas
Pois é, a gente ama assim sabendo e sem saber o porque

Enche o peito,
Mas é só de fumaça


E só os labios tocam a ponta que não queima
Não fere e mata igual
A gente vive assim e não sabe que morre, mas não quer morrer

Bem, eu quis ser livre
As marcas são apenas mistura de sapato e calçada
E a gente sabe mas se engana porque é mais comodo
Morrer e não ser.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Salto Mortal (às mascáras que já não cabem ou jamais couberam).

Eram quatro crianças e uma negra. Tinham a mesma altura, mas não o mesmo cabelo. Sentia-se menos diferente do que de fato era. Sentia-se exceção, tanto do resto do mundo, quanto dos seus. Corriam. Claro que todos descalços corriam, como quem quer fixar a cara nos afalto que tenta se manter, pra deixar sua marca, tanto tenta que distorce, tanto tenta se alcançar que perde o folego. E ali corriam e ela ficava pra trás. Mas só ficava pra trás na corrida, porque seus saltos - de consciência - eram tão altos quanto eram mortais, a quem ela fingia ser. Diversas vezes, era achada assim parada, assim sem fala. Era ali, naquele instânte que ela caia, do salto passado. Entendia e caia, sem poder se apoiar nos pais que tinham decidido sentar no caminho, os amigos que mal percebiam que ali era um caminho. Foi-se então que chegaram ao ápice, sentavam, os espertões.
- Hoje sonhei um pesadelo. - Assim, dizia o primeiro, reproduzindo a inocência de Guimarães, e mal sabiam ler - E foi horrivel, porque todo mundo me olhava e se afastava. Acredita que uma velhinha até atravessou a rua com medo? De mim? Uma criança. - Se vira, tão frágil e tão real da sua condição de pequeno, que esquecia a forma que o mundo olha diferentemente as diferentes crianças. A negra, que não era criança nem pros homens que ali apostavam suas fichas em quantos meses faltavam pra nascer a primeira criança - esta sim, criança - muito menos para si, que era obrigada a saltar, quase todos os dias do conforto que não tinha em casa, para o enfrentamento ou o próprio suicidio. Ela então, interveio:
- Eu sei. - Soltou uma lágrima, incolor como queria ser. Mas errava. E logo a seguir entenderia, que eles jamais entenderiam. Surpreendeu-se.
- É assim, Neguinha, que você se sente? - Chocou-se.
- É por isso que quando vamos comprar balas, você fica fora da loja? - Entendeu o segundo.
- É verdade, aquele dia o porteiro interfonou quando você chegou e nós entramos direto...
- Vocês entendem, mas não sentem. Então, não entendem.
- Vamos entender agora. - Sorriu o menino de cabelos loiros, e enfiou a mão no barro que a chuva havia lhe dado, quase como uma luva. Passou no rosto, e olhou pros outros esperando por resposta. Todos eles passaram, acompanhando o lider, o amigo.
Sairam então correndo, rindo. 'Somos negros, somos igual a Neguinha'. Ela correu atrás, por um instânte acreditou não ser mais só. Acreditou que assim entenderiam. Mas por um dia? Parou-se. Obrigou-se a parar, a fechar o riso. A olhar pro seus amigos, que amava, e sentir-se pior do que antes. Eles brincavam agora com o que ela era e sofria em ser. Eles riam, porque podiam. Porque era extremamente fácil pra eles serem o que quisessem ser, porque não eram. Não havia um peso esmagador, ou uma falta de oportunidades. Lavariam-se e assim deixariam todos os defeitos na pia, enquanto o lindo rosto branco encaixaria em qualquer outra propaganda.
Mas aí, houve uma contradição que esmagaria uma amizade. Da inocência de um criança e querer modificar o mundo e acreditar em que as coisas seriam resolvidas assim, que um sorriso no rosto dela significaria o mundo se render... E da mascara branca que ela não podia vestir, e assim, mantinha-se com a outra - que depois aprenderia a se orgulhar - todas as manhãs, tardes e noites. No riso então carregava a vergonha, que não era dela.

Se despediu, pra outro salto. Este que deixou cair o medo, a vergonha e a inocência. Não era criança, não podia ser, não a deixaram ser, precisava entender logo, desde cedo. Ela era cor que a vestia. Assim born woman. Assim sem escolha, mulher preta.